O encontro on-line reuniu centenas de pessoas para debater questões relacionadas à saúde das comunidades pesqueiras
Mais de 150 pessoas, entre mulheres e homens das águas, servidores/as e gestores/as do sistema de saúde, pesquisadores/as e demais parceiros/as na defesa de políticas públicas de saúde para os povos das águas, estiveram reunidos para contribuir no debate sobre a saúde e o bem-estar das comunidades das águas.
Na pauta foi discutida a realidade de saúde das comunidades pesqueiras no Brasil, o fortalecimento da articulação dos movimentos em defesa da pesca artesanal na pauta da saúde, a ampliação da participação dos pescadores e pescadoras artesanais no controle social da saúde pública e a contribuição para a implementação da Política Nacional de Saúde Integral dos Povos do Campo, Floresta e das Águas.
A Conferência iniciou com um momento de acolhida e mística embalada pela canção de Guilherme Arantes, na voz de Caetano Veloso, “Amanhã será um lindo dia, da mais louca alegria”, com imagens de pescadores e a relação com atendimentos de saúde. A inquietação proposta foi de como está o acesso à saúde ao povo das águas pelo território nacional? Os presentes puderam explanar suas percepções e levantaram a esperança de dias melhores, já que a realidade é de distanciamento desta camada social do atendimento, dos conselhos de saúde e de tratamentos eficazes para as doenças.
Mesa de abertura contra a invisibilidade dos povos das águas nas políticas de saúde pública
Os trabalhos seguiram com a composição da mesa de abertura que apresentou uma análise de conjuntura da saúde das comunidades tradicionais pesqueiras no Brasil. Participaram da mesa, representantes dos movimentos, pastorais e grupos sociais: Rita de Cássia – ANP, Martilene Rodrigues – MPP, Maria José Pacheco – CPP, Mariana Olívia – FIOCRUZ. Além do Doutor Paulo Pena, da Universidade Federal da Bahia – UFBA, o secretário da pesca artesanal do Ministério da Pesca e Aquicultura, Cristiano Ramalho, e da representante do Ministério da Saúde, Lilian Silva Gonçalves.
Para Martilene Rodrigues, do MPP, é importante relembrar que o acesso à saúde é um direito já conquistado, mas que não alcança de forma plena as necessidades específicas dos pescadores e pescadoras artesanais. “Nós das comunidades tradicionais pesqueiras, não somos reconhecidos na área da saúde pelo que somos. A gente precisa de um atendimento específico, levando em consideração nossa atividade de produtor de alimento saudável, um atendimento de saúde direcionado para as nossas necessidades do povo tradicional”, disse Martilene.
Já Rita de Cássia, da ANP, relembrou o crime do derramamento de petróleo em 2019, que até hoje não teve nenhum tipo de reparação ou atendimento de saúde para as pessoas impactadas. “Quando teve o crime do Petróleo em 2019, a gente nem sabia que estava inserida nestas águas contaminadas. Depois veio a pandemia da Covid-19 e nos isolou, não tivemos nenhum cuidado ou acompanhamento do SUS. Precisamos ter mais acesso à Saúde. Nós mulheres pescadoras, especialmente, temos dificuldade para acessar nossas consultas de acompanhamento ginecológico”, alertou Rita.
Segundo a representante do CPP, Maria José Pacheco, é preciso compreender o conceito de saúde na Constituição Federal e no SUS. “É muito importante que a gente discuta que além de atendimentos de saúde é preciso qualidade de vida. É preciso que os órgãos de saúde integrem os conselhos de meio ambiente e conheçam as especificidades dos pescadores e pescadoras artesanais. Necessário garantir o direito da saúde das comunidades tradicionais e não só os interesses das empresas de grandes projetos que ameaçam a nossa sobrevivência”, ponderou Zezé.
Para Mariana Olívia, da FIOCRUZ, os diagnósticos apresentados e os acúmulos de saberes e relatos das comunidades tradicionais, já são conhecidos, agora é preciso que o SUS reconheça e acolha estas falhas e contemple com políticas públicas que aumentem o acesso à saúde dos povos das águas. “Na pauta precisa ser incluída nas políticas já existentes no Ministério as especificidades dos trabalhadores/as das águas na área da saúde”, disse Olívia.
“É importante que os povos das águas revisem os conceitos e digam o que é saúde para os pescadores/as artesanais. Assim como o Estado precisa qualificar os profissionais de saúde, desde a atenção primária até de alta complexidade, para que compreendam as especificidades no atendimento dos povos das águas”, concluiu Mariana.
A saúde da pescadora e pescador artesanal é um direito humano
“A categoria dos pescadores artesanais é imensa no Brasil e vem sendo marginalizada. Uma categoria que protege o meio ambiente com seus conhecimentos e saberes tradicionais e enaltece a saúde com seu modo de viver”, afirmou Dr. Paulo Pena, e completou, “No derramamento de petróleo em 2019, os pescadores tiveram que ocupar o debate para que se decretasse situação de emergência, e isso não foi feito. E até hoje nada foi feito em atitudes concretas no acompanhamento do SUS para estas mulheres e homens que foram impactados”, destacou o professor da UFBA.
O professor Paulo lembrou que é preciso deixar claro que o trabalho pesqueiro artesanal tem suas doenças e patologias próprias de sua prática laboral e que requerem políticas e atenção do Estado. “Nós temos que lembrar dos acidentes de trabalho dos profissionais das águas. Quando esta trabalhadora precisa se afastar para tratar suas doenças, ela fica sem ter como sobreviver financeiramente”, disse e finalizou, “A saúde dos pescadores e pescadoras está sendo negligenciada pelo SUS e está ausência de atenção não pode continuar. Ações específicas para a saúde dos povos das águas com recursos imediatos são urgentes”.
O secretário da pesca artesanal do Ministério da Pesca e Aquicultura, Cristiano Ramalho, ressaltou o “apartheid na saúde do Brasil”, onde é definido quem vai ser atendido, quem vai ser tratado, quem vai morrer ou não. “Nunca houve no Brasil uma política de Estado específica para a saúde dos povos das águas”, ponderou e continuou, “há uma questão de racismo ambiental, onde os mais atingidos pela falta de acesso à saúde nestas comunidades tradicionais são pessoas pretas”, alertou o secretário.
“A política dos últimos anos procurou transformar os pescadores artesanais em ninguém, sem direitos, território, saúde e condições de trabalho. Gestos concretos precisam ser feitos agora e não podem esperar”, afirmou Ramalho.
“O compromisso que assumo aqui é que a pauta desta conferência será a pauta do Ministério da Pesca e da secretaria da pesca artesanal”, finalizou Cristiano.
Para a médica e representante do Ministério da Saúde, Lilian Silva Gonçalves, a política de saúde do campo, florestas e águas, pouco fala dos povos das águas e não representa a diversidade destes povos. “O desafio do Ministério da Saúde é de reconstrução dessas pautas e de tirar da invisibilidade os povos originários e comunidades tradicionais. Me fere esses relatos da dificuldade de acesso à saúde, de racismo ambiental e de como o Ministério tem acolhido essas necessidades”, afirmou Lilian.
“O desafio está dado, aberto ao diálogo, coloco como proposta desta conferência um grupo de trabalho para participar ativamente das discussões da saúde específica para os pescadores/as artesanais junto ao Ministério da Saúde”, finalizou Gonçalves.
A Conferência segue ao longo da tarde desta quinta-feira (18/5), onde serão feitos grupos de trabalho com as seguintes temáticas: Saúde e território pesqueiro; Saúde do trabalhador; Saúde mental nos territórios; Saúde das mulheres; Contaminação por agrotóxicos e poluentes de grandes empreendimentos; Atenção Primária em Saúde. O objetivo é elencar decisões e medidas que serão transformadas em relatório oficial de medidas necessárias para a saúde dos pescadores/as artesanais no Brasil. Também serão escolhidos os representantes dos pescadores para a Conferência Nacional de Saúde.