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quarta-feira, 22 de março de 2023

Comunidade quilombola de Garapuá luta pelo direito de viver em seu território de modo sustentável

Em uma manhã ensolarada de 2023, no Dia Internacional da Mulher, cerca de 75 pessoas das comunidades quilombolas de Garapuá, Batateira, Zimbo e Graciosa, situadas na Ilha de Tinharé, pertencente ao município de Cairu-BA, caminharam da sede da Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE/BA) até o Fórum de Valença-BA, em protesto contra a empresa HCMAX Empreender Construtora e Incorporadora LTDA. Após o ato, 17 pessoas, entre essas 12 mulheres, adentraram uma sala do Forum por terem sido intimadas a comparecer na primeira audiência do processo de reintegração/manutenção de posse. Desde o dia 30 de junho de 2020, a ação, que tem a comunidade como réu e a empresa como parte autora, está sendo julgada pelo Juiz de Direito Leonardo Rulian Custodio.

Manifestação realizada por pessoas das comunidades quilombolas de Garapuá, Batateira, Zimbo e Graciosa. Foto: Ascom/CPP-BA/SE.

O território da comunidade de Garapuá abriga cerca de 270 famílias, correspondendo a 990 habitantes, que percorrem 15km durante o deslocamento por meio de transporte marítimo até o Centro de Cairu-BA, levando cerca de três horas de viagem. As marisqueiras, pescadoras e pescadores da comunidade de Garapuá afirmam que o uso dos recursos naturais tem sido sustentável durante a realização das atividades econômicas e de lazer. Porém, essas pessoas estão sendo impedidas de realizar mariscagem e pesca artesanal, por conta de um muro construído recentemente que impede o livre acesso ao território e da força de segurança privada por parte das empresas, com cachorros pitbull e homens armados, violando o direito básico de ir e vir, como relatou uma das moradoras da comunidade durante a audiência.

“Nascemos em Garapuá e enterramos os nossos umbigos na praia. Nós estamos ali para cuidar do nosso patrimônio, que se chama Garapuá. Porque nós somos uma comunidade quilombola e pesqueira, que sobrevive do extrativismo, do manguezal e das águas. Nós temos um vasto campo de orquídeas e de bromélias. E o que, hoje, os grandes empresários querem é nos excluírem da nossa vida próxima ao mar”, destacou Naná Garapuá, que é nativa, defensora do território de Garapuá, filha de pescador e marisqueira.

A população da comunidade de Garapuá luta pelo direito de viver no território de modo sustentável e pela regularização fundiária, não contemplados na proposta apresentada pelo advogado da HCMAX, Ricardo Góes Coutinho, que também representa outras empresas de construção imobiliária na região do Baixo Sul da Bahia. “Eu tive uma conversa com Hildécio, o prefeito, e ele não viu problema nenhum quanto a isso, até porque estaria resolvendo o litígio e estaria resolvendo também a situação da comunidade Guarapuá. Então, a gente doaria uma parte da área depois da Lagoa”, disse o advogado.

A defensora pública Jeanne Carvalho, na comarca de Valença da DPE/BA, espera uma solução favorável à permanência da comunidade quilombola de Garapuá em seu território. “Nós, imediatamente, ao tomarmos conhecimento disso, entramos com recurso no TJ-BA, conseguimos o indeferimento da liminar. Então, hoje, não tem nenhuma liminar vigente no processo em favor deles, a comunidade permanece no local por ordem do Tribunal de Justiça da Bahia”, concluiu.

A DPE/BA está empenhada em não permitir que aconteça com a comunidade de Garapuá o que aconteceu com a comunidade de Morro de São Paulo, onde a população nativa permanece vulnerável e encurralada, em um bairro sem acesso às belezas de Morro de São Paulo, sem saneamento e sem qualidade de vida. Em 2020, a população da comunidade de Garapuá foi beneficiada com a tramitação do Agravo de Instrumento apresentado pela DPE/BA ao TJ-BA contra o HCMAX.

Em 2018, a comunidade quilombola de Garapuá requereu do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) o Termo de Utilização Sustentável da Terra (TAUS) e o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), por ser um território tradicional e a área ser de propriedade da União. Ou seja, a HCMAX não possui propriedade dessas áreas dentro da Ilha de Tinharé, porque a ilha pertence a União, além de ser assegurada pela Proteção Ambiental, conforme o Decreto Estadual n.º 1.240, publicado em 1994.

O protesto das comunidades de Garapuá e Batateira serviu para expor as violações de direitos que ambas vêm sofrendo em razão da ação de políticos e de empresários brasileiros e estrangeiros, que articulam a implantação de mega empreendimentos turísticos e imobiliários, sendo responsáveis pela degradação ambiental, cercamento, privatização e desmatamento ilegal das áreas de uso tradicional da comunidade. Além de visibilizar as demandas de acesso à moradia, à educação, à alimentação, às embarcações e equipamentos de segurança para o exercício das atividades de pesca artesanal e do turismo sustentável de base comunitária.

A segunda audiência foi agendada para o dia 10 de maio de 2023, às 10h, pelo Juiz de Direito Leonardo Rulian Custodio, da Segunda Vara do Forum de Valença-BA.

População das comunidades quilombolas de Garapuá, Batateira, Zimbo e Graciosa, a defensora e o coordenador da DPE/BA reuniram-se na porta do Forum de Valença-BA, após a primeira audiência da ação de reintegração/manutenção de posse. Foto: Ascom/CPP-BA/SE.


A comunidade de Garapuá existe há mais de 200 anos

A vila de pescadores e pescadoras de Garapuá fica localizada em uma Área de Proteção Ambiental dentro da Ilha de Tinharé, no município de Cairu-BA, e existe há mais de 200 anos. Esse território tradicional, quilombola e pesqueiro, vem sendo preservado graças ao uso sustentável dos recursos naturais feito por marisqueiras, pescadoras e pescadores artesanais, com respeito e valorização do ecossistema do manguezal, sem descaracterizar o meio ambiental.

Mapa de Garapuá, datado de 1816, ilustra a tese relacionada à existência da comunidade tradicional quilombola como vila de pescadores, há mais de 200 anos.

Diante das ameaças para desocupar a área, por conta da especulação imobiliária, do turismo predatório e das violações de direitos socioambientais, a comunidade fundou a Associação Quilombola e Pesqueira de Garapuá (AQPEGA), após observar o furto de áreas sagradas, onde as pessoas nativas realizavam suas oferendas, plantavam e colhiam frutas, legumes, hortaliças, raízes e ervas medicinais.

“Quando vimos a comunidade tradicional de Garapuá ser cercada na sua área de grande importância, que é a lagoa, que abastece toda a comunidade de forma tradicional e possui um PH melhor do que a mineral, buscamos os órgãos, como a Defensoria Pública, para nos atender e aí a gente viu que Garapuá estava toda cercada e sendo vendida para pessoas de outros estados e estrangeiras”, destaca a professora, marisqueira e pescadora, Jailma Rafael.

A comunidade de Garapuá possui o direito de permanecer em seu território tradicional de mariscagem e pesca artesanal, porque a mesma ocupa a Área de Proteção Ambiental das ilhas de Tinharé e Boipeba. E, conforme o Artigo 10-A da Lei nº. 9.636/1998, que dispõe a respeito da autorização para uso sustentável, a prioridade de ocupação em áreas da União deve ser garantido às comunidades tradicionais.


Confira outros materiais, incluindo a carta escrita coletivamente pela comunidade quilombola e pesqueira de Garapuá: