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quarta-feira, 19 de abril de 2023

"Terra, território tradicional e prevenção ambiental na Ilha"

Fonte: Ascom/Alba

Em uma movimentada audiência, a Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública da Assembleia Legislativa discutiu, na manhã desta terça-feira (18), a respeito da licença concedida pelo Instituto do Meio Ambiente (Inema) para a construção do resort Fazenda Ponta dos Castelhanos, na Ilha de Boipeba, pela empresa Mangaba de Coco Ltda. 

Intitulado "Terra, território tradicional e prevenção ambiental na ilha", o evento proposto pelo deputado Hilton Coelho (Psol) e mediado pelo presidente do colegiado, Pablo Roberto (PSDB),teve mesa estendida formada pelos deputados Rosemberg Pinto (PT), Robinson Almeida (PT) e Dr. Diego Castro (PL), assim como por gestores públicos e representantes das comunidades tradicionais da localidade, divididas entre críticos e apoiadores do empreendimento. 

Na abertura da audiência, Hilton falou sobre a situação das comunidades da ilha que estão apreensivas com o licenciamento pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (Inema) para a construção do resort, previsto para ocupar 20% da Ilha de Boipeba, no município de Cairu. Segundo o socialista, o empreendimento privado afetará diretamente os habitantes do território, principalmente as comunidades quilombolas dos povoados de Monte Alegre, de Moreré, São Sebastião (Cova da Onça) e Velha Boipeba. “Ao legitimar a licença dada pelo Inema, o Governo do Estado ignora a questão fundiária de Boipeba e rasga todo o pacto costurado entre os povos originários e comunidades tradicionais para a eleição do presidente Lula, em troca da priorização da vida e responsabilidade com a biodiversidade e os impactos das mudanças climáticas nos territórios brasileiros”, lamentou. 

Entre os que questionam o projeto, o engenheiro ambiental, professor e doutor em Geografia, Eduardo Barcelos apresentou estudo feito pelo Observatório Sócio-territorial do Baixo Sul, para elucidar a agenda de conflitos territoriais na região, que atestam a importância das comunidades tradicionais na preservação do meio ambiente. Segundo o trabalho, a mata atlântica no litoral baiano, de Jaguaribe a Camamu, está garantida até hoje “porque aí estão as comunidades quilombolas, as matrizes indígenas, que preservam o ambiente”. 

Também a questão da propriedade do terreno onde o resort será instalado foi motivo de discussão. Entre os que compuseram a mesa, o defensor público federal Ramiro Rockenbach afirmou tratar-se de terra pública pertencente à União e apontou motivos para o não licenciamento. “Felizmente nós temos instituições fortes. Estudo demonstra que a área é pública e levar a registro essas terras com base em meras ocupações constitui fraude aos registros públicos e não podemos permitir nenhum tipo de fraude e de grilagem à terra pública”, assinalou. 

Representando o Movimento Salve Boipeba, a bióloga Cacilda Rocha falou sobre os impactos do empreendimento, com a possível extração de mais de mil metros de manguezal para construção do aeródromo. “Nós concordamos com o estudo de impacto ambiental solicitado pela Promotoria Geral Regional Ambiental da Costa do Dendê, que indica que, no Morro das Mangabas, o mais importante é adotar medidas de conservação, não construir e nessa área”, alertou. 

A ativista apontou, também, para a possibilidade de deslizamentos de morros e encostas, o aumento do escoamento dos recursos hídricos e afirmou que perdas serão imensuráveis. “Além disso, da perda de recursos físicos e minerais, nós chamamos a atenção para essa supressão de vegetação que é inadmissível, a perda de patrimônio vivo da biodiversidade dessa mata. Inclusive, o painel intergovernamental para mudanças climáticas já está chamando a atenção para a supressão vegetação e o aumento da temperatura do clima”, destacou. 

TÍTULO 

Defensor do empreendimento, Rosemberg Pinto disse não caber ao Estado, mas sim à Secretaria do Patrimônio da União (SPU)dizer se há irregularidade. Segundo o líder do governo, não há vício no processo de licenciamento feito pelo Inema, “um órgão extremamente respeitado neste Estado e que não pode ser marginalizado”. Para o parlamentar, o importante no momento é debater a questão do emprego para a população. “Não podemos fazer um discurso deslocado da realidade e, agora, o mais importante é nos preocuparmos com as necessidades de sobrevivência dessas comunidades”, colocou. 

O licenciamento sem a definição da propriedade do terreno foi apontado pelo deputado Robinson Almeida como imprudência do Inema. O legislador lamentou a divisão das comunidades e considerou que a soluçãopara o impasse leve em conta o destino, a preservação da vegetação e a busca da sobrevivência para a população local. “Não adianta pensar que não haverá intervenção humana. Por outro lado, não pode ser só um empreendimento de grande porte. Tem que assegurar os direitos das comunidades”, ponderou. 

PARTICIPAÇÃO 

Vereador da ilha de Boipeba, município de Cairu, e secretário do município, Igor Gomes disse confiar no licenciamento dado pelo Inema, “que foi extremamente rigoroso com vários condicionantes, que garantirão o acesso das comunidades às praias, equipamentos qualificados, que não deteriorarão o meio ambiente”, defendeu.

Igor ressaltou a importância da participação do Legislativo na discussão sobre o empreendimento em Boipeba, mas sugeriu que os parlamentares se desloquem até as comunidades para dar oportunidade a mais pessoas a dar opinião. “Que se ouça, também, o Executivo e o Legislativo locais, que são atores importantes para participar dessa discussão, até porque são representantes legais da comunidade”, opinou. 

Apoiadora do empreendimento, Taiane Magalhães, de Cova da Onça, falou do sofrimento que passa a comunidade local com a evasão escolar, por conta da falta de expectativa profissional dos jovens da ilha. “Eu tenho um filho de 17 anos, que até hoje não consegue dizer em que quer se formar, e eu sonho com a vida dele sendo protagonizada dentro da minha comunidade”, afirmou. Segundo Taiane, o resort em questão trará para a comunidade possibilidades de trabalho, estímulo para o crescimento profissional dos jovens das comunidades, que não terão que deixar sua terra. 

Participaram também da audiência Olívia Santana (PC do B) Ludmilla Fiscina (PV), Raimundinho da JR (PL), Vitor Azevedo (PL), Marcinho Oliveira (UB), Samuel Junior (Republicanos), Maria del Carmen (PT) e Eduardo Salles (PP).












Clique aqui para assistir à gravação da audiência pública intitulada "Terra, território tradicional e prevenção ambiental na ilha", realizada no dia 18 de abril de 2023, na Assembleia Legislativa do Estado da Bahia.



quinta-feira, 30 de março de 2023

Associação Brasileira de Antropologia publica Nota Técnica em apoio às comunidades quilombolas e pesqueiras da Ilha de Boipeba

Fonte: Portal Abant

A Associação Brasileira de Antropologia, através do seu comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos, repudia a forma irregular como o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos – INEMA – BA vem conduzindo o processo de autorização e licenciamento ambiental para implantação do empreendimento Turístico-Imobiliário Ponta dos Castelhanos, localizado na Ilha de Boipeba-Bahia. Manifesta preocupação e apoio às comunidades tradicionais de Cova da Onça, Moreré, Monte Alegre e Barra dos Carvalhos, que se auto identificam como pesqueiras, marisqueiras, catadoras de mangaba e quilombolas, frente ao contexto de violação de seus direitos territoriais e de ameaça a seus modos de vida.

Na contramão e em desrespeito aos Pareceres Técnicos números 284/2014 (Centro de Apoio Técnico/Meio Ambiente do Ministério Público Estadual da Bahia) e 1644/2018 (Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise do Ministério Público Federal), aos Ofícios números 61/2014 (Fundação Cultural Palmares) e 207/2014 (Secretaria do Patrimônio da União) e às recomendações 01/2019 e 02/2022 do MPF, no dia 07 de março de 2023, o INEMA publicou a Portaria nº 28.063[1] que autoriza a supressão da vegetação nativa do bioma Mata Atlântica, o manejo da fauna e a licença de instalação do empreendimento Turístico-Imobiliário Ponta dos Castelhanos em favor da empresa MANGABA CULTIVO DE COCO LTDA.

De acordo com a nota do Observatório Socioterritorial do Baixo Sul da Bahia (OBSUL/IFbaiano-UNEB-IFBA), a empresa MANGABA CULTIVO DE COCO LTDA tem como sócios José Roberto Marinho, Armínio Fraga Neto, Arthur Baer Bahia e Marcelo Pradez de Faria Stallone. O Projeto Turístico-Imobiliário Ponta dos Castelhanos prevê a construção de residências de luxo, duas pousadas, aeroporto, um campo de golfe e um píer para mais de 150 barcos. O empreendimento se sobrepõe completamente ao território tradicional da comunidade Cova da Onça e ocupará cerca de 20% da ilha de Boipeba (OBSUL 2023).

Segundo o ofício nº 139/2023/PR-BA/16ºOTC/RRSMTA, encaminhado pelo MPF à SPU, “o caso Ilha de Boipeba é permeado por irregularidades gravíssimas”, relativas ao modo de condução do processo pelo INEMA. Além de não acatar os pareceres, ofícios e recomendações acima, emitidos pelos órgãos públicos, o INEMA insiste em ignorar a recomendação conjunta 02/2022/MPF/BA, que comunica ao órgão ambiental acerca da atuação da SPU na região, indicando para que o mesmo não autorize ou licencie empreendimentos em áreas públicas federais, principalmente nas localidades que envolvam comunidades tradicionais protegidas constitucionalmente.

É grave a desconsideração por parte do INEMA dos impactos ambientais e sociais destacados em pareceres técnicos[2] emitidos por órgãos institucionais. Assim como também o é a desconsideração das informações encaminhadas pelo MPF ao órgão ambiental, que dizem respeito aos processos administrativos de regularização fundiária das áreas da União para as comunidades Garapuá[3], Cova da Onça[4] e Batateira[5], via concessão do Termo de Autorização de Uso Sustentável – TAUS e em tramitação na SPU/BA. Configura infração a tomada de decisões, por parte do órgão estadual, referentes às áreas da União, que são de responsabilidade e domínio da esfera federal, facilitando a apropriação privada do patrimônio público.

Frente a este contexto, o Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos da ABA considera que o empreendimento constitui um projeto inserido na lógica desenvolvimentista do uso sistemático e desrespeitoso da violenta exploração de pessoas e recursos naturais. Entendidas como patrimônio cultural e ambiental brasileiro, as terras tradicionalmente ocupadas pelos Povos e Comunidades Tradicionais do Baixo Sul da Bahia devem ser regularizadas e protegidas pelo Estado. Logo, o Comitê vem requerer às instituições públicas do Estado da Bahia e do Governo Federal a adoção de medidas administrativas e/ou judiciais, que visem:

  • a anulação do processo de licenciamento ambiental do empreendimento Turístico-Imobiliário Ponta dos Castelhanos;
  • a revogação da Portaria INEMA n° 28.063 de 07 de março de 2023, que autoriza a emissão de Licença de Instalação (LI) para o megaempreendimento turístico-imobiliário Mangaba Cultivo de Coco Ltda, na Ilha de Boipeba, em Cairu-BA, visto a não observância da legislação brasileira e as instruções normativas do IBAMA
  • a regularização fundiária dos territórios das comunidades tradicionais da ilha de Boipeba via Secretaria do Patrimônio da União-SPU, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e demais órgãos responsáveis;
  • a garantia na prática do direito à Consulta e Consentimento Prévio, Livre e Informada aos PCTs, da ilha de Boipeba, relativo a qualquer empreendimento que incida sobre seus territórios tradicionais, conforme a convenção 169 da OIT;
  • a responsabilização do INEMA pelas autoridades do estado da Bahia no sentido de reverterem esse modus operandi que tantas consequências nefastas tem causado aos PCTs da Ilha de Boipeba e do Brasil.
Modos de vida tradicionais não se limitam a formas de sobrevivência, constituem vínculos que perpassam gerações. Nosso total apoio à comunidade Cova da Onça e às comunidades tradicionais do Baixo Sul da Bahia.


Brasília, 22 de março de 2023.

Associação Brasileira de Antropologia – ABA e seu Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos


Clique aqui para a Nota Técnica em PDF.

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[1] https://oeco.org.br/wp-content/uploads/2023/03/doe_2023-03-08_pg49e50.pdf
[2] Pareceres Técnicos números 284/2014 (Centro de Apoio Técnico/Meio Ambiente do Ministério Público Estadual da Bahia) e 1644/2018 (Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise do Ministério Público Federal).
[3] Processo 04941.001509/2011-61.
[4] Processo 04941.004964/2014-61.
[5] Processo 04941.003524/2009-20.